terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

A EDUCAÇÃO INFANTIL NA CONTEMPORANEIDADE: entre o discurso teórico e o cotidiano das instituições.

A EDUCAÇÃO INFANTIL NA CONTEMPORANEIDADE: entre o discurso teórico e o cotidiano das instituições.

Sonia R. P. S. Ferreira

Joana Gláucia dos Santos
RESUMO
Com uma trajetória de mais de cem anos no Brasil, mas alcançando significação maior só nas últimas décadas, a Educação Infantil constitui, hoje, um segmento importante do processo educativo. Com a nova lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, passa a adquirir importância e ter um tratamento com foco voltado às crianças de zero a seis anos de idade. E é através dessa lei que são constatados os objetivos, prioridades e os responsáveis em atingir os mesmos. Porém, ao confrontarmos o que dita a LDB, as Diretrizes Curriculares e a realidade das escolas de Educação Infantil, constata-se um verdadeiro abismo entre teoria e prática; desde os órgãos competentes e responsáveis na sua oferta, passando pelos documentos que a norteiam, até chegarmos aos envolvidos diretamente no processo e o seu ambiente de trabalho. Sendo assim, torna-se objetivo desse ensaio verificar se a oferta da Educação Infantil em uma escola municipal da cidade de Valparaíso de Goiás – GO, segue o que determina a LDB e demais documentos, analisando o cotidiano das práticas de professores, o ambiente das aulas, assim como a estrutura que envolve essa escola, através da observação direta desses fatores, contribuindo para uma discussão embasada na busca pela qualidade da Educação Infantil.

Palavras-chave: Educação infantil, cotidiano escolar, relação teoria-prática.

1 Introdução
Acompanhada pela intensa urbanização das sociedades, pela participação da mulher no mercado de trabalho e mudanças na estrutura e organização das famílias, a Educação Infantil vem se expandindo no Brasil de forma considerável, seguida de uma maior conscientização da sociedade na importância das experiências que são adquiridas na primeira infância. Assim, a Educação Infantil, primeira etapa da Educação Básica, vem com o passar dos anos ganhando maior credibilidade junto às políticas públicas e à legislação, sendo a sua oferta dever do Estado e direito das crianças e de suas famílias, sem qualquer requisito de seleção.
Mas nem sempre foi assim. Nenhuma das legislações brasileiras anteriores tratava em específico da Educação Infantil, uma vez que só se ocupava com o que antigamente era chamado de ensino primário, o qual iniciava-se aos sete anos. Viu-se então a necessidade de providenciar alguma forma de educação para crianças com menos de sete anos e, somente com a Lei 9.394/96, a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que isso foi possível, possuindo agora itens específicos e detalhados. Como exemplo, temos o artigo quarto que atribui ao Estado o dever de garantir o atendimento gratuito em creches e pré-escolas às crianças de zero a seis anos de idade; e o artigo quinto, que fala dos níveis de ensino no país, incluindo a Educação Infantil como a primeira etapa da Educação Básica. (BRASIL, 1996)
Mas apesar de serem incluídos aspectos que atendem a Educação Infantil, pode-se notar que no campo da prática muitos são os fatores que fazem com que determinada etapa apresente percalços que precisam ser levados em consideração. Considerando o art. 29 da LDB, que traz como finalidade da Educação Infantil o desenvolvimento integral da criança até 6 anos de idade, compreendendo seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade; é ímpar que o profissional da educação reflita sobre como alcançá-los de forma integrada e harmoniosa.
Quando são traçadas as finalidades de desenvolvimento das crianças nessa etapa de ensino, percebe-se que, legalmente, todos os aspectos são abordados; o que não necessariamente garante que as instituições responsáveis em desenvolvê-los estejam preparadas para tal. Em outras palavras, a Educação Infantil realmente é ofertada e o Estado garante seu atendimento gratuito, mas o questionamento aqui levantado é em que condições e como se faz determinado atendimento.
A partir desse questionamento tem-se como objetivo do estudo confrontar a realidade de uma instituição de ensino municipal da cidade de Valparaíso de Goiás que oferece a Educação Infantil, com o que determina a LDB e demais documentos. Para isso serão analisados dentre outras variantes, o cotidiano das práticas de professores, o ambiente das aulas, a estrutura que envolve essa escola, utilizando como técnica a observação direta desses fatores, contribuindo para uma discussão embasada na busca pela qualidade da Educação Infantil sabendo que o assunto aqui não se esgota.





2 Contextualizando a Educação Infantil no Brasil

Ao analisarmos a história da educação da criança no Brasil, nota-se que durante séculos a mesma era feita através da responsabilidade exclusiva da família, uma vez que seu aprendizado se dava no convívio com adultos e outras crianças, participando das tradições e aprendendo normas e regras da sua cultura. Já na contemporaneidade, à criança é oportunizado o acesso a um ambiente de socialização, onde pode conviver e aprender sobre sua cultura através da interação entre os diferentes meios.
Segundo Paschoal e Machado (2009), no Brasil, as primeiras instituições de atendimento à criança surgiram no intuito de auxiliar as mulheres que trabalhavam fora de casa e as viúvas desamparadas, possuindo assim na sua concepção um caráter estritamente assistencialista. Em termos legais, até meados dos anos setenta pouco foi acrescentado para garantia de oferta a essa camada da população, sendo os anos oitenta considerados o marco na busca do direito à educação da criança.
Com debates em torno da Constituição de 1988 e da LDB, a expressão “Educação Infantil” ganha força e caracteriza um segmento que passa a ter papel importante no desenvolvimento humano e social. A oferta por tal nível de educação é ampliada e a partir de então surgem os primeiros empecilhos do que a princípio seria apenas uma expansão na oferta de vagas e conseqüente atendimento por essa demanda a muito esquecida. Mas essa expansão não foi acompanhada pela formação de pessoal capacitado, muito menos se ateve com a preocupação em fornecer uma infra-estrutura necessária para que fossem realizadas as atividades consideradas indispensáveis para que a criança se desenvolva.
Uma expansão caracterizada pela falta de investimentos técnicos e financeiros, fez com que se deteriorasse a qualidade no atendimento desse segmento. Espaços físicos, equipamentos e materiais pedagógicos insuficientes e inadequados, a dicotomia educar e cuidar, assim como currículos e propostas pedagógicas inexistentes marcaram a época. (PASCHOAL e MACHADO, 2009).
Percebe-se que mesmo com o passar dos anos, a demanda ou oferta pela Educação Infantil continuou a crescer e que determinado crescimento, que na época apresentava suas falhas, ainda se faz presente nas escolas de Educação Infantil brasileiras, mantendo na atualidade muitas dessas características negativas.

2.1 A Educação Infantil na Contemporaneidade Brasileira

A importância da Educação Infantil no processo da Educação Básica não se dá somente por ser uma fase de formação da criança tanto intelectual, quanto motora, afetiva e social; mas principalmente por ajudar na sua formação como ser humano.
Para que seja alcançada a qualidade no ensino ofertado, alguns documentos auxiliam as bases e diretrizes curriculares, servindo de norte para que as instituições que oferecem determinada etapa possam ter subsídios para construção de suas próprias propostas. Mas um descompasso entre a legislação, os documentos norteadores e o cotidiano de muitas escolas infantis é percebido quando confrontados com a realidade dessas instituições. Como exemplo, temos as Indicações para Elaboração das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, onde são apresentados fundamentos norteadores que ao serem analisados mais afundo percebe-se disparidades entre o discurso teórico e o dia-a-dia das escolas. (CEB / CNE, 2009)
Alguns critérios para assegurar a qualidade do trabalho das instituições de Educação Infantil devem, ou pelo menos deveriam, ser seguidos, tais como a “organização de espaços acolhedores, desafiadores, saudáveis e inclusivos, que promovam o contato das crianças com equipamentos culturais (livros de literatura; brinquedos; objetos; produções e manifestações artísticas) e com a natureza” (ibdem, p.02). Esbarra-se aqui tanto nos problemas de destinação de verbas para aquisição de tais espaços com seus materiais, quanto na incapacidade de comportar determinados ambientes pela transformação dos mesmos em salas de aula. Destino comum, observado na escola ou em depoimento de professores, de bibliotecas, salas de vídeo, laboratórios, e demais ambientes, quando possuídos pelas escolas, é sua transformação em salas de aula, pois a oferta e a demanda se tornam cada vez maior que a estrutura.
Outro critério abordado trata da “infra-estrutura e modo de funcionamento que garantam ventilação, luminosidade, higiene, segurança e dimensões adequadas do espaço físico” (ibdem). O cenário das escolas de Educação Infantil pouco condiz com tal critério, onde encontramos salas de aula pouco ou quase nada iluminadas e ventiladas, possuindo dimensões inadequadas para que sejam atingidos outros critérios. Mas um dos elementos que se torna mais visível, diz respeito ao número de crianças por professor que, de acordo com o redigido, deveria possibilitar para os alunos uma maior atenção, responsabilidade e interação com as demais crianças, o que não condiz com a realidade de salas superlotadas.
“As turmas de crianças sob a responsabilidade de seu professor devem obedecer à razão de:
- 0 a 1 ano – 6 crianças por professor
- 1 a 2 anos – 8 crianças por professor
- 2 e 3 anos – 12 crianças por professor
- 4 a 5 anos e 11 meses – 25 crianças por professor” (p.02)

Voltamos à discussão oferta/demanda anteriormente realizada, pois para atender a expansão da Educação Infantil e a sua procura, quase que via de regra o número de alunos por professor ultrapassa o estabelecido para que se tenha uma educação de qualidade.
Fatores também pretendidos nas propostas curriculares de Educação Infantil são a linguagem verbal e a brincadeira, como principais elementos articuladores dos saberes e conhecimentos trabalhados. Mas ainda encontramos a escolarização tradicional em grande parte das escolas, com o trabalho centrado no professor; carteiras enfileiradas, espaços inadequados, ausência do lúdico, de atividades corporais, do trabalho com diferentes formas de expressão; caracterizando uma ênfase no aspecto cognitivo, principalmente em atividades de alfabetização. (PASCHOAL e MACHADO, 2009).
Constatou-se ainda, através das observações na escola estudada, agravantes na inexistência de brinquedos, ausência ou pouco proveito de espaços externos, dificultando o acesso das crianças a esses ambientes. A hora destinada ao recreio se torna uma verdadeira correria sem finalidade que termina com uma variedade de escoriações e ferimentos. Existe por parte de muitos professores a não-valorização e a resistência em aplicar o jogo e o brinquedo como atividades fundamentais da criança nessa faixa etária, ferindo seu direito de brincar, como forma particular de expressão, pensamento, interação e comunicação. Isso não significa que as atividades devem ser oferecidas só por meio das brincadeiras, mas sim através de situações pedagógicas orientadas de forma integrada.

3 Considerações Finais
A Educação Infantil veio ganhando força nas duas últimas décadas, o que não significou um completo avanço em termos tanto pedagógicos como políticos e estruturais. A necessidade de se atender a uma demanda muito maior do que a suportada ocasionou uma série de entraves e, em razão disso, mesmo apresentando uma base legal notam-se verdadeiras lacunas e distanciamentos quando aplicados no cotidiano das escolas. Observou-se desde a falta de estrutura física e de dependências adequadas, passando pela insuficiência de materiais pedagógicos, até chegarmos ao ambiente das salas de aula, percebendo-se uma série de contratempos que merecem um olhar baseado na criticidade dos envolvidos direta e indiretamente nesse processo.
Muitos outros quesitos podem ser abordados e virar item de análise e discussão, mas não se pretendeu aqui apontar somente as inadequações apresentadas nos documentos que norteiam a Educação Infantil, uma vez que há se reconhecer o trabalho que vem sendo desenvolvido por inúmeros profissionais que, mesmo com todas as dificuldades, ainda conseguem ofertar uma educação de qualidade. Buscou-se assim, baseado em documentos que são referenciais para determinado segmento, expor um olhar mais crítico acerca de sua oferta e de como tal documento, mesmo sendo apenas um referencial, pode estar longe daquele propósito ao qual foi criado.

4 Referências

BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei nº 9394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília, DF, 1996.


_______ Ministério da Educação e do Desporto. Proposta pedagógica e currículo em educação infantil: um diagnóstico e a construção de uma metodologia de análise/ Secretaria de Educação Fundamental. Departamento da Política de Educação Fundamental. Coordenação-Geral de Educação Infantil. Brasília: MEC/SEF/ DPEF/COEDI, 1996. 114p.


CEB / CNE. Indicações para Elaboração das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil. Brasília, 5 de agosto de 2009.


PASCHOAL , Jaqueline Delgado; MACHADO, Maria Cristina Gomes. A História da Educação Infantil no Brasil: Avanços, Retrocessos e Desafios dessa Modalidade Educacional. Revista HISTEDBR On-line, Campinas, n.33, p.78-95,mar.2009 - ISSN: 1676-2584.

RESOLUÇÃO CEB Nº 1, DE 7 DE ABRIL DE 1999. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil. CNE/CEB. Resolução CEB nº 1/99. Diário Oficial, Brasília, 13 abr. 1999. Seção 1, p. 18.

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